terça-feira, 20 de março de 2012

MINHA VIDA (Um dos textos mais lindos da minha vida).




Três paixões, simples mais irresistivelmente fortes, governaram minha vida: o desejo imenso do amor, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos, levaram-me de um lado para o outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando à beira do verdadeiro desespero.
Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase - êxtase tão grande que sacrificaria o resto da minha vida por uma das poucas horas dessa alegria. Procurei-o, também, porque abranda a solidão - aquela terrível solidão em que uma consciência horrorizada observa, da margem do mundo, o insondável e frio abismo sem vida. Procurei-o, finalmente, porque na união do amor vi, em mística miniatura, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer bom demais para a vida humana, foi o que encontrei.
Com igual paixão busquei o conhecimento. Desejei compreender os corações dos homens. Desejei saber porque as estrelas brilham. E tetei aprender a força pitagórica pela qual o número se mantém acima do fluxo. Um pouco disso, não muito, encontrei.
Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desprotegidos - odiosa carga para seus filhos - e o mundo inteiro de solidão, pobreza e dor transformaram em arremedo o que a vida humana poderia ser. Anseio ardentemente aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.
Isso foi a minha vida. Achei-a digna de ser vivida e vivê-la ia de novo com a maior alegria se a oportunidade me fosse oferecida.
(Russel, Bertrand, Revista Mensal de Cultura, Encicoplédia Bloch - nº 53 - set. 1971, p.83 - aput Apostila Técnico do INSS - Central de Concursos).

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Valor do Amanhã (adaptado).


O tempo, como o dinheiro, é um recurso escasso. Isso poderia sugerir que ele se presta, portanto, à aplicação do cálculo econômico visando o seu melhor proveito. O uso racional do tempo seria aquele que maximiza a utilidade de cada hora do dia. Diante de cada opção de utilização do tempo, a pessoa delibera e escolhe exatamente aquela que lhe proporciona a melhor relação entre custos e benefícios.

Ocorre que a aplicação do cálculo econômico às decisões sobre o uso do tempo é neutra em relação aos fins, mas exigente no tocante aos meios. Ela cobra uma atenção alerta e um exercício constante de avaliação racional do valor do tempo gasto. O problema é que isso tende a minar uma certa disposição à entrega e ao abandono, os quais são essenciais nas atividades que envolvem de um modo mais pleno as faculdades humanas. A atenção consciente à passagem das horas e a preocupação com o seu uso racional estimulam a adoção de uma atitude que nos impede de fazer o melhor uso do tempo.

Valéry investigou a realidade dessa questão nas condições da vida moderna: “O lazer aparente ainda permanece conosco e, de fato, está protegido e propagado por medidas legais e pelo progresso mecânico. O nosso ócio interno, todavia, algo muito diferente do lazer cronometrado, está desaparecendo. Estamos perdendo aquela vacuidade benéfica que traz a mente de volta à sua

verdadeira liberdade. As demandas, a tensão, a pressa da existência moderna perturbam esse precioso repouso.”

O paradoxo é claro. Quanto mais calculamos o benefício de uma hora “gasta” desta ou daquela maneira, mais nos afastamos de tudo aquilo que gostaríamos que ela fosse: um momento de entrega, abandono e plenitude na correnteza da vida. Na amizade e no amor; no trabalho criativo e na busca do saber; no esporte e na fruição do belo as horas mais felizes de nossas vidas são precisamente aquelas em que perdemos a noção da hora.

(Adaptado de Eduardo Giannetti. O valor do amanhã. São Paulo, Cia. das Letras, 2005, p.206-209)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Sociedade do espetáculo: mal de uma época



“Nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser. O cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado.” Essas palavras do filósofo Feurbach nos dizem algo fundamental sobre nossa época. Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação. As imagens fluem desligadas decada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida.
O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Como parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência. O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação entre pessoas, mediatizadas por imagens.
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado exprime-se assim: quanto mais contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes, apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível.
A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que deveria agir como um sujeito real aparece no fato de que os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que os apresenta a ele. Eis por que o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda parte. Eis por que nossos valores mais profundos têm dificuldade de sobreviver em uma sociedade do espetáculo, porque a verdade e a transparência, que tornam a vida realmente humana, dela são banidas e os valores, enterrados sob o escombro das aparências e da mentira, que nos separam, em vez de nos unir.

(Adaptado de Maria Clara Luccheti Bingemer, revista Adital). Prova da Fundação Carlos Chagas para o estado de Alagoas. Fev. 2010. Analista ADM - TRE.